Amigos implacáveis
Dois velhinhos amigos desde sempre em Parati. Paraty. Baixinho um, outro altão. Um branquelo outro quase escuro. Um PTB, outro UDN. Um aposentado dum APIS, outro aposentado dum IPIS. Um de ouvido mouco, outro, gaguinho, falando mais que pobre na chuva. Um só caldo de cana, outro bi... biritava. Um Tãozinho, outro seu Albérico. Um e outro pintavam logo depois do sol no banco da praça. Iam remando no arrasto da prosa, espiando os taberás. Hoje é a boia na casa de um, amanhã na casa de outro. Um apreciava uma sapituca, abrindo com "Quero essa" azul, outro as vezes nem caldo de cana. Depois é a tarde vagarenta portando no banco da prosa. Sereno tomba, boa-noite, boa-noite, mingau, berço. Um dormia que só vendo, outro mal, coisa da bexiga preguiçosa. Manhã seguinte, banco e aquela fartura de assunto: boi, curió, que nunca vi outro assim (jamais!), almas, truco de flor, boi, perna perrengue, festa do Divino quando seu Albérico foi imperador, barganha da espingarda pela chaleira, festança de bodas em Angra, quebradeira de 30 revolução, rapariga muito saída, carcamano de curtume, falta de ar, boiada triste, filharada, viuvez, sanfona de luarão, boiada beleza, menina-moça encrencada. Cidade sorria passando, só pensando. E até parou de sorrir: velhinhos lá estavam firmes como a igreja de Santa Rita batida em setecentos e pico pelos mulatos livres. Foi um dia o APIS caiu numa suspiração chiada. E babau! Repentino ali na praça. A cidade sorriu de novo mas encalistrada. IPIS virou boneco increnque no banco. E eis senão quanto menos de três semanas do funeral IPIS teve um troço feito APIS. Babau! Pois é. Morreu, ora, porque um é luz que alumina o outro. Porque um pode ser céu do outro. Porque um era até o diabo do outro. Uai, Mané, morreu porque um era o outro.
Comentários